Será que as competências sociais do meu filho ainda estão confinadas?
Depois de tanto tempo a socializar de máscara, será que algumas competências das crianças ficaram confinadas? A verdade é que as competências socioemocionais correspondem aos conhecimentos e atitudes que cada pessoa precisa de consolidar, para fazer escolhas coerentes consigo próprio, ter relações interpessoais gratificantes e um comportamento socialmente responsável e ético. Ora, estas são adquiridas desde fases muito precoces do desenvolvimento e vão sendo desenvolvidas ao longo da vida na relação com a família, os pares, os grupos sociais, entre outros.
Como tal, e porque hoje se celebra o Dia Mundial da Criança, vamos refletir sobre os potenciais impactos que toda a pandemia provocou nas crianças, a nível emocional e social. Já ouviu alguns destes comentários após o fim da obrigatoriedade das máscaras?
1. A escola era melhor quando estava em casa, com a minha família e com aulas online.
Os sucessivos confinamentos durante a pandemia e o uso continuado das máscaras deixaram marcas no desenvolvimento das crianças. As crianças estão mais dependentes da observação das faces dos adultos e dos pares para aprenderem a interpretar e a significar a realidade, bem como para desenvolverem a linguagem. A ausência dos estímulos necessários para um crescimento saudável, a utilização de máscaras, a interação em casa com familiares stressados, a aprendizagem escolar à distância, tudo isto pode aumentar a ansiedade, a desconfiança, a perceção de insegurança e os medos. O que por sua vez leva a menos concentração, menos motivação, menos alegria.
2. Prefiro continuar a brincar sozinho, como foi na quarentena.
Passar tempo com os pares, particularmente sem a supervisão do adulto, é essencial para o bem-estar das crianças. Desde o início da pandemia e mesmo agora, no regresso às aulas, as relações sociais, as partilhas, o contacto físico e as brincadeiras entre pares têm sido limitados. A pandemia forçou o encerramento dos parques infantis e diminuiu as festas e oportunidades de convívio habituais. Os jovens passaram menos tempo a realizar atividades recreativas como desporto, artes e música, potenciando-se sentimentos de solidão e isolamento.
3. Como eu sou tímido, prefiro continuar a usar a máscara.
É na escola que as crianças e adolescentes se confrontam com situações adversas, sendo obrigados a procurar soluções e a desenvolver capacidades de adaptação. A utilização de máscaras pode interferir com a comunicação e a “leitura emocional” do outro. As expressões faciais fazem parte de um conjunto de “pistas visuais” que utilizamos para “ler” e compreender o outro e que incluem, entre outras, os gestos, a linguagem corporal, as palavras e a sua correta acentuação, a chamada prosódia. Todos estes elementos se conjugam para transmitirmos uma mensagem e uma intenção. Recorremos a outros sinais para comunicar e interagir com os outros, mas as expressões faciais (incluindo a boca, que ocupa um lugar de destaque na expressão facial) são fundamentais neste processo de aprendizagem, sobretudo nas crianças.
4. Podia ser outra vez pandemia para os outros não me poderem tocar.
Quando afastamos as crianças e lhes transmitimos a mensagem de que elas precisam de se manter afastadas, estamos a bloquear um instinto natural nelas, o de procurarem o contacto físico e de se manterem próximas umas das outras. A pandemia teve, sem dúvida, um impacto na Saúde Mental das crianças e nos adolescentes, sendo que se regista um número mais elevado de problemas de ansiedade, ataques de pânico, dores de cabeça, má disposição e até dores no corpo. Uma das consequências mais notórias da pandemia entre as crianças foi o aparecimento de estados de ansiedade mais cedo do que o habitual, evidentes nos momentos de interação social.
5. A máscara permitia-me esconder as minhas expressões faciais quando estavam a falar comigo.
As máscaras podem dificultar o processo de comunicação. O ser humano depende do comportamento não-verbal para se expressar e comunicar com os outros e, em muitas situações, a comunicação não-verbal explica a maior parte da informação que compreendemos numa troca social, particularmente no caso das crianças, cujo nível de linguagem verbal pode ainda não permitir a expressão de emoções.
6. É difícil decifrar as pessoas agora que andam sem máscara.
É na escola e nas suas interações que a criança se liberta da família, aprende mais sobre si e sobre o mundo, reconhece novas reações e novas formas de se comportar. A forma como as crianças lidam com a utilização de máscaras é diversa e depende das suas características pessoais, do contexto social e de relações de proximidade nos quais estiverem inseridas, bem como da sua compreensão e capacidade para cumprir as regras de utilização. É possível que algumas crianças aceitem tranquilamente a utilização da máscara e que esta lhes transmita sentimentos positivos de segurança, proteção e conforto. Contudo, é também possível que outras reajam com intolerância, sensação de isolamento, medo e ansiedade. Esclarecer as dúvidas da criança é fundamental para um não comprometimento psicológico.
7. Tenho dificuldades em encarar os meus colegas, fico ansioso e acho que só gozam comigo.
Em situações particularmente tensas, a criança pode revelar comportamentos diferentes do habitual. As suas reações de birra, agitação ou rebeldia não são um desafio ao adulto mas sim uma resposta a essa vivência, sendo essencial ajudá-la a entender essa relação e tranquilizá-la. Nunca desvalorize as reações de medo ou ansiedade, procure um Psicólogo para ajudar.
8. Sinto-me diferente desde que a vida voltou ao normal, não gosto de como sou agora.
É importante que os adultos reconheçam as manifestações da pandemia no comportamento das crianças, de forma a ajudá-las a saber o que fazer para minimizar o impacto das novas rotinas. O contacto físico e a socialização são fundamentais para o bem-estar de todo o ser humano, mas os jovens são particularmente vulneráveis, uma vez que mudanças súbitas podem prejudicar o seu desenvolvimento social, cognitivo e emocional. As mudanças da rotina diária têm consequências psicológicas e podem potenciar sintomas já existentes, aumentando o risco de complicações emocionais, comportamentais e do relacionamento.
9. Sinto-me triste porque a minha família também já não é o que era antes da Pandemia.
Um ambiente familiar estável é imprescindível para que as crianças criem modelos positivos e cresçam de forma harmoniosa, num meio favorável aos afetos e compreensão. É importante lembrar que, para além dos impactos individuais, a pandemia pode causar ou acentuar perturbações no convívio familiar e na saúde mental dos pais e cuidadores, condicionando indiretamente o desenvolvimento saudável das crianças e dos adolescentes.