Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres
Nunca fui apologista dos dias específicos para homenagear pessoas ou temáticas específicas. Na verdade, deveríamos ter todos os dias uma certa consciência das nossas atitudes e comportamentos e principalmente respeitar o outro enquanto pessoa e vê-lo como nosso semelhante independentemente do género, cor, ou orientação sexual.
Contudo, sabemos que o caminho para a igualdade continua sinuoso. Assim sendo, é necessário assinalar este Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres.
Ao longo da história da humanidade, a mulher sempre foi considerada mais fraca e inferior ao homem. Infelizmente, ainda hoje as crenças enraizadas pelo tempo continuam a condicionar a perceção social que se tem acerca das mulheres. Neste momento, e aqui em Portugal, podemos dizer que nós mulheres estamos mais confortáveis em comparação com a vida das mulheres de há 50 anos. Contudo, continuamos numa luta incessante, sofrida, para conseguir mudar as perceções mais redutoras.
Neste sentido, foi em 1993 que as Nações Unidas (ONU) se preocuparam em definir e consciencializar o mundo acerca da temática da violência contra as mulheres e raparigas. O dia 25 de novembro foi escolhido como Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres em homenagem às três irmãs Mirabal, brutalmente assassinadas nesta data, por se oporem ao regime ditatorial existente na República Dominicana, em 1960.
Como é encarada a violência contra as mulheres nos dias de hoje?
De acordo com a ONU (2018), a violência contra as mulheres e meninas representa uma das violações dos direitos humanos mais frequente, mais persistente e mais devastadora em todo o mundo. De acrescentar que é também uma das violências menos sinalizadas devido à impunidade, ao silêncio, ao estigma e à vergonha e humilhação que assombram as suas vítimas. Segundo Mogherini (Alta Representante da UE para Política Externa e Segurança, 2018), a violência contra as mulheres pode acontecer em qualquer lugar: em casa, no local de trabalho, na escola, na universidade, na rua, nos transportes públicos, e cada vez mais online sob a forma de ciber violência e discurso de ódio.
É importante percebermos o que se entende por violência: frequentemente associamos este conceito exclusivamente às agressões físicas ou aos abusos sexuais. Quem nunca pensou que esta temática é mais direcionada para os países em desenvolvimento? Pois bem, esta visão é completamente errada e redutora. A violência contra as mulheres possui várias ramificações e formas, desde a injustiça económica, a disparidade social e a falta de uma sólida estrutura de apoio na saúde física, mental e emocional perante as mulheres e raparigas vítimas de violência. Concordando com a opinião de Mogherini (2018), enquanto não existir uma sociedade justa e igualitária, dificilmente a violência contra as mulheres será erradicada.
Vamos falar de números, mas principalmente vamos pensar em todas estas vidas destroçadas:
- 1 em cada 3 mulheres na Europa sofre de violência sexual ou física;
- A maioria das vítimas de tráfego para exploração sexual são mulheres e meninas;
- Nos países em desenvolvimento, 1 em cada 3 meninas são casadas antes de atingir os 18 anos de idade;
- 200 milhões de mulheres e meninas foram sujeitas a mutilação genital, com intuito de não sentirem prazer. Esta prática ocorre em 30 países;
- Estima-se que 60% das mulheres em todo o mundo, experienciam agressões físicas e abusos ao longo das suas vidas;
- Mais de metade dos abusos sexuais acontecem em meninas com idades inferiores aos 16 anos.
Ano após ano, este dia tenta, entre outras coisas, ajudar as vítimas a terem uma voz ativa. Contudo, sabe-se que, ainda hoje, a maior parte das mulheres e raparigas vítimas de violência sofre em silêncio.
E se fosse consigo? E se fosse vítima de abuso sexual?
No que concerne às vítimas de abusos sexuais, o medo dos seus agressores, como também da reação da própria comunidade / família, influenciam as suas decisões em não fazer queixa. Em sofrer em silêncio. O choque emocional, a manipulação psicológica por parte do agressor, perguntas como “Não foste cuidadosa?”; “O que tinhas vestido?”; e/ou “O que fizeste/disseste para que isto acontecesse?” são frequentemente colocadas com uma frieza inumana, levando a vítima a acreditar que, provavelmente, tem uma quota parte de culpa.
O que é certo, é que ainda não estamos preparados para lidar com este tipo de situação. Nós próprios não sabemos o que fazer perante uma situação de violência, não sabemos como reagir. Para compreender melhor esta perceção, proponho fazermos uma pequena reflexão imaginando dois cenários distintos.
Cenário número 1: Imagine que o seu amigo, marido ou namorado lhe confidenciava que tinha problemas em manter uma ereção durante a relação sexual e que se sentia angustiado por causa disso. Qual era a sua reação? O que lhe diria? Acredito que a sua resposta iria surgir natural e calmamente, aconselharia o seu amigo a falar com um médico, ou até poderia perguntar se psicologicamente está tudo bem ou se quer falar e desabafar… é mais ou menos isto que tinha em mente, certo? Fácil, não é? Ok, vamos agora complicar um pouco.
Cenário número 2: Imagine que a sua amiga, prima, filha ou mãe lhe dizia que o seu companheiro lhe bateu ou que foi abusada sexualmente. Qual seria a sua reação? O que diria? Provavelmente a sua reação imediata seria entrar em choque, sem resposta, e até sentiria um certo desconforto perante esta realidade atroz.
Podem argumentar dizendo que estas situações são diferentes. Contudo, repare, estamos a falar de temas íntimos, pessoais. Como é que num estamos preparados para ter uma resposta imediata e noutro congelamos e ficamos desconfortáveis? Não estamos preparados para falar de um tema tão atroz, perverso e talvez preventivo que é o da violência contra as mulheres e raparigas.
Mulheres... Homens... Eduquem-se!
Durante décadas, esta luta contra a violência esteve mais concentrada na intervenção do que na prevenção. Temos educado as meninas a terem cuidado. A minha própria educação também foi baseada neste sentido. Fomos educadas a estarmos atentas aos perigos: “Não andes sozinha à noite”, “Não abandones o teu copo num bar”, “Não viajes sozinha”, “Tem cuidado com a tua roupa, sapatos, etc”, obrigando-nos constantemente a adaptar-nos à situação. Ensinamos as mulheres a lidar com o estatuto de vítima, a tentar ultrapassar o trauma. Não é suficiente!
Algumas pessoas podem pensar que tudo isso é um assunto de mulher. Desengane-se, este assunto é um assunto de homens! Na realidade, acredito que esta violência termina com os homens e rapazes. Sabe-se que 90% de violência sexual que as mulheres experienciam nas suas vidas são da responsabilidade dos homens. A violência contra as mulheres é um problema dos homens.
Devemos ensinar os meninos e homens a não serem agressores ou abusadores. Educá-los a respeitarem as mulheres e ensinarem as meninas a não serem vítimas. A verdade é que muitas crianças ainda observam cenas de violência em casa, entre os pais. Os homens devem ser agentes ativos na mudança, eles devem ser um modelo para outros homens, os homens respeitam outros homens, os rapazes fazem o que os homens fazem.
Homens verdadeiros, íntegros e genuínos não batem nas mulheres nem praticam qualquer outro tipo de violência.
É mais fácil educar e fortalecer uma boa educação aos mais novos do que reparar os danos no futuro. De acordo com Banda (2015), as famílias constroem comunidades, as comunidades constroem sociedades, sociedades constroem nações e nenhuma nação consegue desenvolver-se e evoluir sem a participação de cada um dos seus membros.
A responsabilidade é de cada um de nós! A violência contra as mulheres é um crime público, não é um assunto pessoal. Denunciar é uma responsabilidade coletiva. Não podemos ficar calados e esconder o problema debaixo do tapete.
Para todas as mulheres e raparigas que até agora, lutaram e sofreram em silêncio, façam-se ouvir!
Para todos os homens, sejam homens verdadeiros! Digam chega, sejam os agentes ativos do fim da violência contra as mulheres. Tudo isto tem de parar, agora!