Da acumulação de objetos à compulsão
Quando a acumulação se torna uma obsessão?
O ritmo frenético da nossa sociedade alicia-nos a consumir mais, ter mais, ostentar mais e sermos mais, deixando pairar a ideia de que somos o que temos. Neste sentido, torna-se muito fácil associar o conceito de identidade aos bens adquiridos, estabelecendo desta forma, uma ligação entre o que somos e o que possuímos. Todos nós, em algum momento da nossa vida, tivemos um período (curto ou de longa duração) em que acreditávamos que tendo o carro X, a roupa de marca Y, o smartphone Z, seriamos mais felizes. A acumulação de objetos, de coisas, para um único propósito: sentirmo-nos bem, mais confiantes e mais realizados.
De forma geral, nós somos acumuladores. Gostamos de acumular coisas, sentimo-nos mais seguros. Acumulamos roupa, sapatos, que pouco ou nunca usamos. Em 2020 com a pandemia, tivemos uma excelente amostra deste tipo de comportamento. No momento do confinamento, uma grande parte das pessoas decidiram armazenar bens essenciais e até papel higiénico. Porquê? Porque perante a imprevisibilidade da vida, ter coisas deixa-nos mais calmos. Outro tipo de acumulação, é a digital, todas as vezes que acedemos à internet e guardamos ligações ou imagens para utilizar mais tarde e na realidade quando é que usamos esta informação? Quase nunca.
Posto isto, não pretendo assustar ninguém, apenas quero preparar o leitor para o tema deste artigo, despojando-o de qualquer pré-conceito, na medida em que todos nós, de uma forma ou de outra, somos acumuladores.
O transtorno de acumulação obsessiva define-se pela necessidade de coletar objetos ou animais e da dificuldade de se desfazer destes, acarretando problemas de organização no ambiente de convívio (DSM-V, 2013). A pessoa com este tipo de distúrbio sente uma dificuldade genuína em se desapegar dos seus bens, sentindo uma forte necessidade para os guardar, acumulando-os assim até a casa estar cheia e não conseguir ter espaço. Este transtorno é uma perturbação psicológica grave que compromete a qualidade de vida, a saúde e o funcionamento social de quem sofre.
Será que sou acumulador obsessivo?
Os três principais sintomas dos acumuladores obsessivos são os seguintes:
- Acumulação excessiva de objetos;
- Necessidade de guardar e dificuldades em deixar ou deitar fora certas coisas até, por vezes, o próprio lixo;
- Funcionamento comprometido. As divisões da casa não podem ser usadas para os seus propósitos.
Contrariamente à perturbação obsessiva, por exemplo, os acumuladores não reconhecem que têm um problema, nem percebem que os seus comportamentos são exagerados. Sentem apenas satisfação e conforto em acumular. Por serem tão assertivos nos seus comportamentos, de forma geral, são os familiares que os incentivam a procurar ajuda. Referi mais acima que todos nós somos de certa forma acumuladores, no entanto, a diferença entre acumulação e compulsão (patológico) é que este transtorno impacta negativamente na vida das pessoas, a acumulação de objetos é excessiva e incapacita a pessoa no seu funcionamento diário.
Muitas vezes, os acumuladores obsessivos são categorizados de estranhos, sujos, preguiçosos, contudo, é necessário abandonar este julgamento impulsivo e conseguir olhar para além do caos visível. Como em qualquer perturbação psicológica, é preciso ter um olhar mais benevolente para com os outros para tentar compreender as suas dificuldades e é precisamente um dos propósitos deste artigo.
É importante reter que 75% das pessoas com transtorno de acumulação têm sempre outra perturbação psicológica associada tal como Depressão, Ansiedade, entre outras. Desta forma, os comportamentos excessivos são o reflexo de uma estrutura emocional perturbada. Por esta razão, não basta apenas ajudar a limpar a casa e achar que o comportamento desaparece como se vê em alguns reality shows. Tem de haver um trabalho interno que deve ser realizado com ajuda psicológica. Em suma, a acumulação compulsiva não é um problema de casa ou de coisas, mas sim um problema psicológico.
Como é que a acumulação obsessiva pode ser uma perturbação emocional?
Para compreender melhor o processo psicológico e emocional associado ao transtorno, convido-o(a) a ouvir uma música que marcou a sua adolescência ou infância e verá que algumas memórias e sensações daquele período da sua vida irão invadir a sua mente. Experimente agora se quiser. Agora faça este exercício: tente ouvir a mesma música e não ter memórias ou sensações daquele período da sua vida. Difícil, não é?
Da mesma forma que a música nos transporta para as nossas memórias e sensações prazerosas, para os acumuladores, os objetos, funcionam da mesma forma.
As pessoas com estas dificuldades criam ligações emocionais fortes (inconscientes) com os seus objetos sentindo uma necessidade de os guardar. Acumulam as coisas para preencher um vazio emocional, procurando mais um objeto para sentir um alívio momentâneo. Em suma, os acumuladores procuram fora o que não conseguem sentir dentro. Desta forma é importante intervir na raiz do problema, perceber quais são as emoções associadas ao comportamento patológico. Uma intervenção psicoterapêutica é sempre a mais indicada para ajudar a pessoa a (re-)encontrar o seu equilíbrio emocional, sentir-se bem consigo mesma para emocionalmente conseguir desapegar-se das coisas que não necessita.
Esta perturbação é uma doença perversa e silenciosa. Enquanto sociedade é importante conseguirmos ter mais compaixão perante as perturbações psicológicas e a saúde mental.