"Sejamos também guerreiros serenos nestes tempos conturbados"
Desabafos de uma psicoterapeuta em Quarentena | Dia 28
Hoje o dia começou bem. Uma antiga paciente, a C., mandou notícias. Tem passado momentos muito difíceis nas últimas semanas, tal como muitos de nós.
A C. tem um emprego que implica contacto com o público. Recentemente viu-se sobrecarregada com mais trabalho, dado que vários dos seus colegas foram para casa ou para dar apoio à família, ou para salvaguarda da sua própria saúde.
A C. ficou no local de trabalho, a assegurar o trabalho prioritário e importante para o bem-estar de muitos, que podem até estar a ler estas palavras. Ela é forte, mas teve medo. Já passou por muito. Quando começaram a surgir os primeiros doentes da Covid-19 em Portugal ela teve medo pela irmã, que vive com ela e tem uma doença crónica do foro respiratório. Então, ainda antes do final de Março passou a fazer as suas funções em regime de teletrabalho.
A vida surpreendeu-a, mais uma vez: foi o pai que ficou doente. Também ele doente de risco, pela idade e outros problemas de saúde. Primeiro, o pânico, depois, a racionalidade e a calma em ação. Organizou a casa dela, tão grande como o seu coração, para acolher a família. Primeiro, a madrasta que, sendo doente de risco também, ficou em quarentena. A irmã, noutra parte da casa, salvaguardando-se de possíveis contágios. Depois de um breve internamento, o pai juntou-se a elas, ficando também numa parte da casa, reservada só para ele. Nas palavras dela, agora vive e trabalha num T0, a sala dela. Lá em casa, está cada um no seu cantinho, mas unidos.
A C. partilhou estas vivências comigo, referindo que graças a ter feito o tratamento no ano passado, tem conseguido manter uma calma “incomum” ao longo destas últimas semanas. Isto deixa-me feliz, mas não surpreendida. Ao longo do tratamento, ajudei-a descobrir a sua faceta de “Guerreira Serena” e a lembrar-se de cuidar dela mesma, para poder cuidar de quem ama também.
Porque partilho a história dela convosco? Porque tenho visto em várias outras pessoas a necessidade de ter presente o que a C. aprendeu: todos nós precisamos de nos lembrar de cuidarmos de nós mesmos, particularmente nesta fase, para podermos ter recursos emocionais para cuidar de outros também. E cuidar de nós mesmos implica cuidar do nosso corpo, da nossa mente, das nossas emoções, permitindo-nos sentir o que é natural sentir por estes dias, mas não nos deixando subjugar pelo medo ou pela angústia.
Deixo este apelo: sejamos como a C., sejamos também guerreiros serenos nestes tempos conturbados, cuidando de nós mesmos, cuidando uns dos outros. Assim, acredito que o “vai ficar tudo bem” se tornará mais iminente.