"Para a criança se calar, um doce tem que se lhe dar": sim ou não?
No outro dia, ouvi alguém dizer que “para a criança se calar, um doce tem que se lhe dar” e fiquei a pensar no peso que as palavras têm e em todas as crenças que lhes ficam associadas.
Quem nunca ouviu dizer “dá-lhe um copo de água com açúcar que ela melhora” ou ainda “quem os meus filhos beija minha boca adoça”? O doce acaba por estar sempre associado a bem-estar, a energia, a recompensas…
Quem não fica com os olhos a brilhar quando vê uma mesa colorida, cheia de doces, onde tropeçam gomas nos cupcakes e há cambalhotas de rebuçados? Segundo a publicidade que todos temos na memória, tanto fica o avô como o bebé: “O Boca Doce é bom, é bom é; diz o avô e diz o bebé!”
Hoje em dia, a facilidade em comer doces acabou por lhes tirar a magia que havia à sua volta. Muito se fala e se alerta para os verdadeiros perigos com o seu consumo, mas também para muitos supostos perigos que, na realidade, não passam de especulação, hipóteses ou mesmo mitos em volta do açúcar. Um exemplo destes alertas encontramos na hipótese colocada sobre uma possível relação entre consumo de doces e a hiperatividade, bem como se o consumo de doces se reflete no comportamento das crianças.
Se é bem verdade que vemos uma criança feliz no fim de lhe darmos um doce, fazendo jus à expressão “até os olhos se riem”, não é menos verdade que se sente igualmente feliz se lhe dermos um brinquedo de que gosta, ou mesmo um abraço, ou um beijo… Há diversas formas de produzir numa criança o bem-estar, a felicidade ou até mesmo a excitação… E um doce faz com que as crianças se sintam felizes sim porque, com o seu consumo, há uma libertação de serotonina e dopamina que são neurotransmissores responsáveis pela euforia e pela felicidade podendo, neste caso, conduzir a crianças a um estado de maior felicidade e agitação psicomotora.
É importante referir que não há evidência científica que comprove a existência de uma relação causal entre o consumo de doces e a hiperatividade, mas sabemos que há uma relação óbvia entre o consumo de doces e a saúde das crianças.
É sabido que o consumo de doces é bastante prejudicial para as crianças e que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), devemos consumir apenas 10% de açúcar num total de calorias ingeridas num dia, caso contrário, estamos a caminhar no sentido de promover doenças como: problemas na saúde oral, obesidade, diabetes, síndrome metabólica, entre outras.
Se o consumo de doces for moderado e pontual não será assim tão problemático, contudo, se for excessivo, poderá originar vários problemas nas crianças, tanto a nível da saúde física como psicológica.
A título de exemplo, podemos referir o caso de uma criança com um excessivo consumo de doces e que poderá, por hipótese, vir a desenvolver obesidade onde, não raras vezes, é sinónimo de baixa autoestima, baixa autoconfiança, isolamento e até de bullying. São estas situações que, muitas vezes, estão na origem de casos de anorexia e/ou bulimia na adolescência e na idade adulta.
Podemos ainda referir que um maior consumo de doces nas crianças poderá estar relacionado com a existência de distúrbios emocionais, tais como a Ansiedade e Depressão, uma vez que estas podem recorrer a um consumo exagerado de doces como forma de lidar e de gerir as emoções negativas associadas àqueles distúrbios.
A felicidade e a excitação de uma criança não dependem de um rebuçado.
Ir ao cinema e comer pipocas não é grave.
Acredito que, na dose certa e de forma pontual, um doce não faz mal.
Afinal de contas, quem não sorri a comer uma pintarola?